Convenhamos que o Brasil tem lá suas esquisitices. E a russa Aleksandra Shogenova, de 27 anos, vivenciou algumas delas na prática. Ela mora há quase dois anos em Rio Branco, no Acre. E mostra as maravilhas e peculiaridades dos brasileiros.
Um dos primeiros sustos de Shogenova aconteceu logo no primeiro dia em Rio Branco —com um bicho.
No avião, ao ver do alto apenas árvores enquanto se aproximava de Rio Branco, ela pensou: “Meu Deus, para onde eu vou? Não tinha nenhuma cidade em volta.”
Inicialmente, a russa morou em uma chácara afastada do centro. “Ali, já no primeiro dia, vi uma sucuri de 10 metros de comprimento”.
Aleksandra e o marido, acreano, se conheceram na Rússia há cerca de cinco anos. Ela dava aula de russo para ele e, com o tempo, os dois acabaram se aproximando e moraram dois anos juntos em Moscou.
O marido veio sete meses antes dela para o Brasil, que chegou em setembro de 2022 por aqui.
Quando Aleksandra deixou Moscou, em setembro de 2022, usava dois casacos já que as temperaturas beiravam os 5ºC. Ao desembarcar em Rio Branco, fazia nada menos que 40ºC —o que ela nunca tinha presenciado antes.
A viagem até o destino final não foi das mais rápidas. De Moscou, Aleksandra seguiu de avião para o Catar e dali pegou outro voo para São Paulo.
Ao chegar em Guarulhos, precisou aguardar 18 horas até entrar no voo com destino ao Acre. “Eu não dormi. Fiquei pelas cadeiras do aeroporto e de um café até a hora de embarcar.”
Ao desembarcar, tive de caminhar do avião até o terminal e nesse caminho vi minha pele queimando, já tinha pontos vermelhos na pele. Eu me senti como um peixe fritando. Não tinha vento, o que piorou a situação e eu não conseguia respirar. Foi muito, muito ruim. Eu passei mal e ainda passo mal.
No Acre, Aleksandra não vai para a rua no período das 11 horas às 15 horas, quando fica trancada em casa com o ar-condicionado ligado. “Eu não saio para a rua porque vou me queimar. Meu tempo para passear é só muito tarde ou na madrugada.”
A palavra “saudade” entrou no vocabulário de russa. No primeiro ano no Brasil, Aleksandra sentiu bastante falta de casa.
Eu sempre ficava vendo passagens para a Rússia e pensava se eu voltaria ou não. Na hora de dormir, também passei a ter muitos sonhos com neve e a minha casa. Ainda é difícil me acostumar.
Aleksandra tem três irmãos que moram na Rússia. No início, a família dela ficou chocada com a mudança para o Acre. “Tudo o que eles imaginavam é que aqui teria um monte de animais andando na rua, como macacos, jacarés, araras.”
Antes de vir para o Brasil, Aleksandra trabalhava em uma empresa francesa no ramo da perfumaria, com filial na Rússia.
Ela chegou a pedir demissão, mas pouco tempo depois a antiga chefe a convidou para trabalhar novamente com eles, mas de forma remota cuidando da parte administrativa.
Quando ela morou por dez meses no interior do Acre, porém, o maior problema era com a conexão com a internet. “Era muito difícil, eu tinha as senhas dos vizinhos para quando a minha internet não funcionava.”
As comidas são outro ponto de estranhamento e motivo de risadas. Certa vez, em Cruzeiro do Sul, a 635 km de Rio Branco, uma prova de cana-de-açúcar quase quebrou seu dente.
Por lá, conheceu uma seguidora de seu perfil nas redes sociais e foi “apresentada” à cana-de-açúcar, que ela chamou de “pau”, pelo formato. Também ficou sabendo que a cachaça era feita de cana e soltou esta pérola ao dar uma mordida no caule:
“Cachaça é suco de pau?”, diz, em um vídeo publicado no Instagram, aos risos.
Ao UOL, a russa explicou que não tinha ideia de como provar a cana. “Eu não sabia o que fazer, quase quebrei o dente.Ninguém me avisou como era antes. Eles riram muito, mas depois me deram uma garrafinha com o caldo da cana”, fala, em meio a risadas.
Outra maravilha culinária a surpreendeu: arroz e farofa. “Não sabia que o brasileiro comia tanto.”
Não entendi por que arroz. Arroz e farofa. Não me acertei com o arroz. Não sei como pode comer arroz todo dia. (Na Rússia) A gente come um dia batata, outro arroz, e no terceiro dia, macarrão. Também não me acertei com a farofa. Eu perguntei: ‘Mas para que serve a farofa?’. Daí me disseram que pode colocar em qualquer prato. E eu coloquei na salada e eles riram muito.
Coisas tão normais para nós brasileiros, como um chuveiro elétrico, também causaram surpresas à russa mais acreana do mundo.
Em um dos vídeos com mais visualizações no TikTok, Aleksandra mostra sua surpresa com o aparelho. Na Rússia, predomina o chuveiro a gás.
“Quero mostrar uma coisa interessante no Brasil: chuveiro elétrico. Eu não sei como puderam imaginar combinar água com eletricidade. Na primeira vez, me assustaram muito, sobre como exatamente funciona, que tudo nele é muito complicado. E falaram: ‘Não use de jeito nenhum senão vai morrer’. Mas (o funcionamento) é bem simples”, diz a russa no canal.
Aleksandra também tropeçou no português no início —ela não sabia o idioma antes de vir para o Brasil e teve dificuldade para se comunicar. Foi então que teve a ideia de gravar vídeos para aprender a língua.
Deu muita vontade de falar com alguém. Queria conversar. Então eu imaginava alguma ideia em russo, traduzia em aplicativos, depois meu marido corrigia as palavras. Foi um projeto para aprender português.
Os vídeos também serviam para a família dela acompanhar um pouco da rotina aqui no Brasil. “Falar português é mais difícil do que ler. Para mim, ler é mais tranquilo porque algumas palavras são parecidas com o inglês.”
E, com o tempo, o calor humano daqui vai conquistando a russa, mas é um processo, diz ela.
“Na Rússia, quando você não conhece a pessoa, você recebe essa pessoa de forma muito fria, não abraça, não beija.” Aqui no Brasil, a dinâmica é outra.
Aleksandra foi a um aniversário onde havia 30 convidados e se viu abraçando pessoas que ela mal sabia o nome ou tinha visto antes. “Eu fiquei que nem uma árvore, um robô. Eu ainda não consigo tranquilamente abraçar as pessoas, isso não é natural.”